As perdas de energia são parte inerente da operação dos sistemas elétricos em todo o mundo. Estas são divididas em dois tipos: a perda técnica, relacionada ao efeito Joule no transporte da energia, a transformação de tensão e medição; e a perda não técnica, que se origina majoritariamente nos furtos, fraudes e erros de leitura e/ou faturamento.
Os níveis de perdas são regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e os níveis "eficientes" (limite regulatório) são reconhecidos nas tarifas de energia. Ou seja, os consumidores pagam não só pelas perdas técnicas, mas também por aqueles que furtam energia. De acordo com dados divulgados pela ANEEL, em 2022 os consumidores pagaram mais de R$ 15,6 bilhões para cobrir as perdas de energia, em média R$ 175,88 por unidade consumidora.
Caso uma distribuidora apresente níveis de perdas acima do limite regulatório, o valor excedente impacta diretamente na sua rentabilidade. Em 2022 as distribuidoras que não conseguiram manter suas perdas dentro do limite regulatório tiveram um impacto financeiro de aproximadamente R$ 1,5 bilhão.
O Brasil apresenta um problema crônico no tratamento das perdas não técnicas de energia. Hoje, estas representam 6,2% da energia injetada. O país praticamente manteve o mesmo nível desde 2015, mesmo com todo o aperto nos limites regulatórios e esforços das distribuidoras em introduzir novas tecnologias nos sistemas de medição, operação e análise de dados.
As características socioeconômicas e comportamentais da população, assim como a forma como as distribuidoras gerenciam sua operação influenciam diretamente os níveis de perdas, que variam de estado para estado.
Os estados da região Norte foram os que apresentaram maior volume de perdas em 2022. Amazonas e Amapá, em especial, registraram perdas não técnicas acima de 40% da energia injetada. Na região Nordeste as perdas não técnicas variaram entre 0% e 9,7% (maior índice foi registrado em Alagoas).
Os estados da região centro-sul apresentam os menores níveis de perdas, com exceção para o Rio de Janeiro, que convive com o furto de energia ligado a questões sociais, como o crime organizado e um elevado nível de inadimplência. Light e Enel, concessionárias que atendem o estado, registraram perdas não técnicas de 19,6% e 12,0%, respectivamente, em 2022.
As distribuidoras destes estados pleiteiam junto ao governo uma tratativa regulatória diferenciada para as chamadas ARSOs (Áreas com Severas Restrições Operativas), áreas onde o estado/poder público tem pouca ou nenhuma presença e que representam quase 50% das perdas não técnicas destas empresas.
Torna-se importante salientar que as perdas não técnicas afetam não só o equilíbrio econômico financeiro das empresas e a qualidade do serviço, como também aumentam a tarifa dos consumidores regulares, prejudicam a operação da rede e incentivam o desperdício de energia.
Performance das distribuidoras no combate a perdas
Conforme divulgado nos balanços trimestrais, as distribuidoras de energia vem aumentando seus investimentos em tecnologias e processos para identificação, remoção e regularização de fraudes. No entanto, algumas ainda enfrentam barreiras que vão desde a questão social levantada acima quanto jurídicas e políticas (como visto pela Amazonas Energia com o sistema de medição centralizada).
Analisamos os dados divulgados pelas 38 maiores distribuidoras do Brasil para avaliar a performance e eficiência no combate a perdas em 2022. O gráfico abaixo dispõe as distribuidoras conforme a variação das perdas frente a 2021 (eixo horizontal) e a variação frente o limite regulatório (eixo vertical).
Os estados do Pará, Amazonas e Rio de Janeiro possuem as tarifas residenciais mais caras do país (acima de R$ 750/MWh). Conclui-se então que existe um ciclo virtuoso entre o valor da tarifa paga pelos consumidores e sua relação com a renda com a propensão dos usuários realizarem furtos e fraudes de energia nestes estados.
Das 31 distribuidoras que apresentaram redução das perdas, 13 ainda se encontram acima do limite regulatório e deverão ampliar seus esforços ao longo deste ano. A Equatorial CEEE, Enel RJ, Enel CE e Neoenergia Brasília apresentaram a melhor performance em redução de perdas em 2022.
As perdas efetivas acima do limite regulatório, ou seja, não cobertas pela tarifa, geraram um impacto financeiro estimado superior a R$ 1,5 bilhão às distribuidoras.
A Light e a CPFL Paulista, embora tenham perdas menores que a Amazonas Energia, por exemplo, as dimensões e características de consumo em suas áreas de concessão trouxeram volumes elevados de perdas não cobertas pela tarifa. A concessionária que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro registrou um impacto de aproximadamente R$ 467 milhões em receitas não reconhecidas em decorrência das perdas de energia.
Furtos de energia: questão social e/ou econômica?
Com o intuito de aprofundar o estudo nos motivos para um elevado índice de perdas em determinada região, buscamos verificar se o peso das contas de energia no rendimento médio domiciliar nos 27 estados influencia, de alguma forma, este indicador.
Através de regressão linear relacionando o % médio da renda domiciliar destinado a conta de energia elétrica com o nível de perdas no estados, obtivemos um coeficiente de determinação (R²) de 0,39 e um valor-P de 0,049, ou seja, a correlação é significativa porém de relação média baixa.
No entanto, ao realizarmos a análise em estados com os maiores índices de perdas (> 10% da energia injetada), o coeficiente de determinação salta para 0,65. Verifica-se um valor ainda maior (0,80) quando isolamos a análise apenas nos estados do Norte.
Os estados do Pará, Amazonas e Rio de Janeiro possuem as tarifas residenciais mais caras do país (acima de R$ 750/MWh). Conclui-se então que existe um ciclo virtuoso entre o valor da tarifa paga pelos consumidores e sua relação com a renda com a propensão dos usuários realizarem furtos e fraudes de energia nestas regiões.
Neste momento, onde o governo discute com os players do setor as regras para a renovação das concessões, torna-se indispensável uma nova abordagem para o problema das perdas não técnicas no Brasil. As perdas são um componente relevante nas tarifas de energia e a redução da "parte" não técnica traria enormes benefícios em todas as camadas da sociedade.
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Fonte: ANEEL, RI das distribuidoras de energia, IBGE
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